quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

"Blindness"

Nem sempre é fácil encontrar pessoas que gostem de "falar de cinema"... Não me refiro aos banais e circunstanciais: "gostei", "não gostei", "seca", "não presta" ou "as pipocas já foram melhores". Conversar sobre a história ou interpretação de um filme, pode ser um exercício bastante complexo e por vezes íntimo, que carece do ambiente e companhia adequadas. Partilhar a interpretação pessoal de uma determinada cena é, muitas das vezes, um momento confrangedor... Pelo menos para mim, especialmente quando o interlocutor não está em sintonia e começa a lançar olhares do tipo: "Este gajo tem a mania... Veste-se de preto e tal!". A esmagadora maioria das pessoas encara uma ida ao cinema como uma "mera" forma de gozar o seu tempo livre, o que não me suscita nenhum repúdio (bem pelo contrário).

Pior, são aqueles que não sabem "falar de cinema"... Um chavão clássico desta estirpe é o famoso: "o livro é muito melhor...". Além da habitual presunção com que a expressão é utilizada, o chavão é de tal forma grande e opaco que mina qualquer eventual conversa sobre o filme... Tem carácter conclusivo sobre a discussão e por mais que que uma pessoa argumente, em prol ou contra o filme, tudo se resume ao facto de: "o livro é muito melhor...". O "chavonês" (:p) nem se sente obrigado a justificar a sua opinião, com argumentos estruturados e válidos na análise de um filme, visto que: "o livro é muito melhor...". Escusado deveria ser dizer que ainda que sejam baseadas numa mesma ideia/objecto, não é possível comparar uma obra literária com uma cinematográfica. São coisas completamente distintas que utilizam mecanismos, imaginários e interpretações diferentes. O filme deverá ser avaliado e comparado com outros filmes, e não com esculturas, quadros ou músicas... Cingir assim a apreciação de um filme, a um chavão clássico tão redutor, é não saber "falar de Cinema..." ou provavelmente não compreender o que é o Cinema!

Isto vem a propósito do filme "Blindness" baseado na obra, do Nobel português da Literatura José Saramago, "Ensaio sobre a Cegueira". Eu não li o livro!! Cof, cof, cof... E ainda bem, pois tudo o que li ou ouvi, sobre o filme, andava em torno da eterna comparação com o livro... De notar que, apesar de ser uma produção independente, o filme conta com algumas vedetas de Hollywood (Julianne Moore = óscar, Danny Glover e Mark Ruffalo) e abriu o último Festival de Cannes, o que por si só é um feito para a Literatura e cultura portuguesas.

Quanto à história... Um misterioso surto de cegueira branca afecta um grupo de pessoas, com origens raciais e sociais distintas, levando ao isolamento/aprisionamento destas por parte das instituições governamentais, com o intuito de impedir a propagação da doença... O grupo de infectados, que vai subindo gradualmente de número, vê-se assim obrigado a sobreviver em condições progressivamente miseráveis e extremas. Assiste-se assim a uma viagem aos confins da natureza humana onde a degradação, maldade e instintos pontificam. Os códigos sociais vão-se degradando e invertendo até o momento em que tudo se transforma num "estado animal"... (SPOILER) O momento mais "chocante" do filme, e também o que o melhor define, consiste na cena onde os personagens de Ruffalo e Alice Braga têm relações sexuais extra-conjugal, sendo surpreendidos pela "esposa" Julianne Moore. Cabe à personagem de Julianne Moore, a única que não perde a "visão", perdoar e continuar a tarefa messiânica de liderar o grupo até à redenção final.... Muito, muito bom! Melhor que o livro... ;)

Pontuação: * * * * 4/5 - Imprescindível
Sessão: UCI - Arrábida Shopping, 30/11/2008, 21:55

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